Voyeurismos sobre os ritmos da sensibilidade erótica
Des-Velo a Rosa da atávica Dor e a escondo em outro Horror!

sábado, 10 de dezembro de 2011

In Pector... Lis Pector





Clarice Lispector
10 de dezembro de 1920 * 09 de dezembro de 1977





http://tecidovivo.blogspot.com/2011/12/hora-de-clarice.html



"Porque o dia certo é o hoje...
ou A Descoberta do Mundo”
(Por Roberta Aymar)


8 de dezembro. Feriado santo em Recife, dia de Nossa Senhora da Conceição. Em outras épocas, “menos ortodoxas” ou “mais heterodoxas” – não sei muito bem, confusa que ando nesses tempos governados por tantas “politizadas consciências”, era possível se ouvir a batida do tambor para Iemanjá- "Yèyé omo ejá" ("Mãe cujos filhos são peixes"), Rainha do Mar, Orixá de muitas águas, que segundo os iniciados, que não ouso questionar, me governa ao lado de outra Senhora – Iansã, a de Oyá, Senhora dos ventos, das tempestades, armas, encantamentos e mistérios outros.

...E como um milagre de dia santo, amanheceu chovendo. Acho que de tanto eu desejar. Pedi chuva ao céu e choveu. De vez em quando, quase raro, algo na imensidão do “vazio” cósmico me atende. Não é Deus, eu sei!

Milagrosamente também, no dia de véspera desse feriado, dormi, de forma intensa e profunda, como há muito não dormia! Insones e “workaholics” não dormem, apenas são. Antes de dormir, um vento estranho, como os que assolam soturnamente aos quartos assombrados das tantas páginas que li e dos filmes que vi, invadiu também todo o continente do meu quarto e espalhou um volume inteiro, que estava sobre a cama, ainda não encadernado e paginado, de uma monografia intitulada provisoriamente de “Bioconstruções”, na qual me detinha em sua revisão.

Olhei o calhamaço de papéis espalhados a esmo... Não tive disposição de ordená-los no mesmo arranjo. Quase lamentei, mas sou pouca afeita à lamentação. Prefiro maldizer que lamentar. Nada arrumei... Coloquei à prova minhas idiossincrasias, contrariando à normalidade da minha natureza ordenadora e disciplinada no tocante as coisas condizentes ao ofício de professora e à ordem doméstica. 

Deitei na cama e dormi, ao lado de alguns enfadonhos livros de consultas técnicas e junto de outros de cabeceira, que de tanto lê-los tornaram-se quase meus amantes.

Acordei com a manhã ainda se fazendo aurora... Em trânsito, suave, doce e um pouco fria... Orvalhada, com cheiro e atmosfera de terra úmida. Então, percebi o quanto chovera na madrugada. E ainda chovia. Presente! Ai que presente! Chuva pra mim é como um desejado brinquedo de infância que estar por vir.
Da cama, olhei de soslaio para todas as generosas janelas que circunscrevem o espaço do meu quarto em “infinito particular”. Percebi que ainda chovia. 

Uma sensação de felicidade e tristeza invadiu meu ser eterna e coesamente dividido de intersecções oponentes. Pensei na situação de imersão involuntária do Estado de Santa Catarina. Logo passou. Talvez por um pequeno egoísmo ou, simplesmente, por estar à sorte e ao manejo de Eros se sobrepondo a Thanatos. Regida por um diferente e estranho agora, “aparentemente” circunstancial e provisório, da tristeza me desfiz. 

Levantei-me e fui à janela. Percorri a um só golpe de olhos toda a extensão do Rio Capibaribe. Nesse dia de Santa, ninguém caminhando às suas margens, nem mesmo os tristes cachorros sem dono ou os seis gatinhos amigos meus. Na Avenida Beira-Rio, poucos carros recalcitrantes, alheios ao mistério do dia, a passar devagar, “respeitosos” ao silêncio daquele início de manhã.

A chuva começou a aumentar e lavar o asfalto, com desenhados pingos, agora grossos, como nos mangás japoneses. Algumas vezes também molho o chão com pingos de choro como os que choram certos personagens infantis desses mangás. Preparei-me, como um samurai, para um ritual de purificação à guerra, e sai para caminhar na chuva.

Num dado momento, uma súbita vontade me invadiu de correr-correndo, como o “pequeno-grande” Antoine Doinel (Alter ego de François Truffaut) correu-correndo para o mar, no filme “Os Incompreendidos”. Comecei a pensar que deveria ser assim que Clarice Lispector, minha Clarice, se sentira algumas vezes na sua vida.

Continuei a correr e de cheio, outros pensamentos me solaparam. Pensei no que alguns “incômodos observadores" recentes me disseram, cada um à sua maneira de dureza e crueldade, sobre a minha relação de identificação(?), de transferência(?), de obsessão(?) com a escritora que tanto amo e que cujo amor não me faz mover-me de mim.

A sensação intermitente de não sei o quê, sem rosto e nome, fantasma, que me acompanha e persegue a tempo perdido e gelado, foi passando...
Lembrei do arquiteto Frank Gehry, de sua impactante e controvertida arquitetura e do que diz o arquiteto  sobre o seu inventivo processo de criação de formas arquitetônicas: “Começar?!... como é difícil começar!”

Então, comecei a correr, correndo... Corri-correndo para mim mesma, e fiz essa crônica de pedaços de mim, antes que um dia amanheça morta e com o seguinte atestado de óbito: “morreu de Clarice”, mas ao contrário de sua causa mortis, sem uma única só palavra.

Não quero morrer de Clarice (Haia = Vida) Lispector (Flor de Lis no peito/coração), pois justo não seria com ela, Clarice – Estrela da minha vida inteira. Mas viver... Viver como eu mesma... E à força das suas palavras e pensamentos somar a força das minhas meias palavras-inteiras.

Assim des-pedaço-me!

Roberta Rodrigues Aymar.


*Recife, 10 de dezembro de 2011.

*Esse texto, ora revisado, foi escrito em 8 de dezembro de 2008 
e publicado no original em:
http://tecidovivo.blogspot.com/2010/12/9-de-dezembro-clarice-lispector-tecido.html












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